“Começa o horário de verão em 11 estados e no DF”.
É assim que muitas manchetes anunciaram o horário de verão que começou no
último domingo, 21. Desse jeito, como se não afetasse o todo Brasil, cujos habitantes,
mesmo quem não adianta o relógio, como os paraenses, são obrigados a mudar a
rotina.
Para quem vive fora do Sul, Sudeste, Centro-Oeste,
Distrito Federal e Tocantis – e isso contabiliza cerca de 98 milhões de pessoas
no Brasil - o horário de verão vira horário de confusão. Por estarmos perto da Linha
do Equador, a duração dos dias é estável ao longo do ano, ou seja, não há
período em que o dia seja mais longo do que a noite, como é o caso dos locais
que aderem ao horário de verão. Por isso, não é prático adiantar uma hora no
relógio por essas bandas, já que não economizaria energia e, portanto, não
adotamos o horário – na teoria. Na prática, a coisa é diferente: os horários da
televisão nacional, dos bancos e dos aeroportos são adiantados em uma hora para
a gente também; e até as provas como a do ENEM, de concursos nacionais e
faculdades a distância se antecipam para quem mora nas regiões mais altas do
mapa do Brasil.
O problema é que os horários de trabalho,
estudo e lazer local continuam os mesmos e a vida aqui vira uma bagunça. Somos,
mais uma vez, obrigados a nos adaptar aos moldes das regiões “centrais” do
Brasil, complicando nossos horários e praticamente somos esquecidos.
Para aqueles que vivem transitando daqui para
lá, o tempo todo, como empresários, comissários de bordo, pilotos etc, o
problema é bem claro. Eles têm que se programar para ir mais cedo, já que a
maioria dos voos utiliza o horário de lá, seja indo ou vindo, e ainda sofrem
com mudanças físico-biológicas devido ao fuso horário.
Aqueles que não saem daqui todos os dias
também sofrem com essa diferença. Por exemplo, os horários dos bancos - até
mesmo o do Banco da Amazônia – utilizam o horário de Brasília na nossa região.
Isso afeta não só os clientes, que precisam se reorganizar porque o banco fecha
uma hora mais cedo (principalmente afetando aqueles têm que ir ao banco todos
os dias), como afeta os funcionários, que precisam ir mais cedo para o trabalho.
E para quem têm que passar por uma prova de
nível nacional, nem se fale. Quem vai fazer ENEM, tem que se programar,
inclusive psicologicamente, para fazer uma prova enorme e cansativa às 13h num
horário de 12h, lidando com um trânsito diferente deste para aquele horário, um
calor diferente, além dos hábitos de almoço, descanso e estudo. O mesmo vale
para quem fará provas de concurso e/ou de faculdades a distância.
Por último, não menos importante, e o mais
evidente, é a reprogramação da televisão. Os canais ao nível nacional,
ignorando os estados que não aderem ao horário de verão, também adiantam a
programação, o que faz confusão na vida de muita gente que depende de um
programa não apenas para lazer, mas como para estudo e para quem utiliza a TV para análises sociais seja a serviço ou
para um TCC, por exemplo, ou trabalha com a interação TV/internet.
Não levemos a mal. O horário de verão é uma
ótima e inteligente medida que dá resultados, realmente. Uma ideia que só poderia
ser obtida por um gênio que foi Benjamin Franklin (sim, aquele cuja pipa foi
atingida por um raio e, assim, inventou a luz elétrica). O que é injusto e
irresponsável é esse modo pelo qual se desconsideram as especificações das
regiões do Norte e Nordeste, já que, atualmente, existem tecnologias e meios de
comunicação suficientes para lidar com as diferenças espaço-temporais e não ir
pelo jeito mais fácil que é a generalização.
A começar, no Pará não existe verão. Na verdade,
não existem nem estações, apenas dois períodos climáticos: estiagem e período
de chuvas. Então, ser atingido pelo “horário de verão” é obviamente algo fora
da nossa realidade, completamente abstrato e complicado. É uma falta de
consideração que confirma o pensamento de que o Brasil é apenas Centro-Oeste
para baixo.
Já faz 81 anos desde o primeiro horário de
verão neste país e ainda sofremos com essa discriminação. Precisamos nos
reprogramar ao tempo de fora, o que atrapalha todo o funcionamento das atividades
corriqueiras dos cidadãos nortistas e nordestinos.
Essa é mais uma prova do descaso do “centro”
do país em relação à “periferia”. É uma padronização e mais uma vez caímos no
esquecimento do restante do Brasil. Para mudar a situação, é importante debater
mais o assunto e deixar de tanta aceitação. Já passou da hora de o país deixar
de insistir em mostrar a cara e lembrar que, na verdade, é multifacetado.
Precisa-se reconhecer as especificidades de cada região e levá-las em conta.
Hora de os sistemas ditos “nacionais” lembrarem de quem está aqui em cima e,
portanto, deixarem de “roubar” uma hora de nosso dia, porque ela não é
recompensada no cotidiano e caímos num horário de confusão.
Texto de Alice
Martins Morais