segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Construção de shopping no Centro Histórico é alvo de investigações


“Shopping de Charme”: ainda não foram liberadas informações sobre o projeto e há suspeita de que houve descumprimento de legislação/Ilustração: Diário do Pará
A construção do shopping Bechara Mattar Diamond, na Cidade Velha - bem ao lado do Complexo Feliz Lusitânia - pôs o bairro novamente no centro de discussões sobre o dano que os interesses de grupos empresariais causam à preservação do patrimônio histórico de Belém. O shopping vai ser construído onde hoje está o prédio de um antigo comércio da família Bechara Mattar, na Rua Padre Champagnat, ao lado da Sé. Toda essa área é tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Os moradores do bairro foram tomados de surpresa pelo projeto do “shopping com design de diamante”. Eles só souberam do empreendimento por meio da uma matéria que foi veiculada no caderno Negócios, do Jornal Diário do Pará, do dia 15 de setembro de 2013. Leia a reportagem completa aqui.
Na matéria, o estabelecimento é apresentado como o “Shopping de Charme”. O projeto do shopping de luxo, que é da autoria do secretário de Estado de Cultura Paulo Chaves Fernandes prevê uma construção de cinco mil metros quadrados, com cinco andares, vista panorâmica para a Baía do Guajará e espaços para eventos. E, como é possível perceber na imagem acima, causador de um evidente contraste com o entorno.
Desde a publicação da matéria, a Associação Cidade Velha-Cidade Vida (CIVVIVA), composta pelos moradores do bairro, tem se mobilizado para tentar entender o que de fato está por trás do projeto e questionar as autoridades sobre os procedimentos que realmente foram observados para que o shopping fosse liberado.
Mais do que uma questão que envolve apenas a preservação da memória, a construção desse shopping está cercada da reticência dos órgãos que deveriam proteger o patrimônio histórico. O empreendimento já foi aprovado e liberado pela Secretaria Municipal de Urbanismo (Seurb), pela Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel), e pelo Iphan. Esses órgãos demoraram a se manifestar a respeito e não informaram muito sobre o processo que envolve a assinatura e a liberação da construção. Em nota emitida na semana passada, o Iphan apenas confirmou que o órgão analisou e aprovou o projeto. Já a Seurb disse que a autorização da obra estaria de acordo com a legislação urbanística do município e que os órgãos patrimoniais competentes deram pareceres técnicos favoráveis à construção. A população da área questiona.

Descumprimentos e problemas
Apesar dos posicionamentos desses órgãos, informações sobre o projeto ainda não foram repassadas para a população. Desde a semana passada, a CIVVIVA está tentando obter da Prefeitura de Belém respostas sobre os procedimentos que, de acordo com a legislação vigente, deveriam ser observados.
  Na última terça-feira, 1º, a CIVVIVA enviou ao Prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho, um requerimento de informações sobre a obra, como processos referentes à análise e aprovação do projeto e os pareceres dos órgãos responsáveis pela fiscalização e controle de atividades urbanas. A carta também possui 12 pontos, com várias questões sobre os possíveis problemas que o empreendimento causaria e sobre que resolução a prefeitura pretende tomar em relação a eles.
  De acordo com a presidente da CIVVIVA, Dulce Rosa, existe a suspeita de que vários procedimentos legais não tenham sido cumpridos.“A nossa briga não é pela feiura, a nossa briga é pela falta de respeito às leis. Como eu tenho dúvidas de que foram respeitados os pontos que eu coloquei na carta, eu quero saber a resposta, porque é só a partir daí que a gente vai poder entrar com uma causa”, declara Dulce.
Entre os pontos da carta a que Dulce se refere, está o questionamento sobre a realização de um Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV). O Plano Diretor do Município de Belém - que regula o crescimento e a política urbana do município em relação a urbanismo, mobilidade urbana, preservação do patrimônio e outros - define que um shopping, considerado um empreendimento de impacto, deve passar por um EIV para que se verifique de que maneira esses empreendimentos afetam o seu entorno.
Na carta, também se indaga a respeito de um dos fatores que atualmente causa bastante transtorno à população da Cidade Velha: os estacionamentos. Como todo o complexo urbanístico do bairro é tombado pelo Iphan, os proprietários das casas da área não podem realizar reformas ou mudanças estruturais sem a autorização do órgão, o que inclui a construção de garagens nas residências. Com esse impedimento, os carros dos moradores ficam estacionados nas ruas. Com base nessa realidade, o CIVVIVA indaga à Prefeitura se foi levado em consideração que, com o shopping, a demanda por estacionamento aumenta e que quase já não há espaço para os carros dos residentes.
Outras perguntas que a carta possui dizem respeito a que medidas a Prefeitura pretende tomar em relação ao aumento do fluxo de veículos, tanto de clientes quanto de empresas que realizem o abastecimento do shopping, que causaria um aumento na trepidação dos imóveis; quais as medidas para preservar a área, que é de caráter histórico; e quais seriam as compensações ambientais e urbanísticas do projeto.
Uma cópia dessa carta foi encaminhada à Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, do Ministério Público do Estado (MPE). A Prefeitura tem até 20 dias, a partir do envio da carta, para fornecer as respostas aos questionamentos feitos pelo CIVVIVA. A carta completa pode ser lida aqui.

Relações
Os fatos referentes à construção do Bechara Mattar Diamond tem sido pauta em alguns blogs, como o Blog da Franssinete Florenzano, da jornalista de mesmo nome, e o blog A Perereca da Vizinha, da jornalista Ana Célia Pinheiro. Neste último, já foram postadas várias matérias sobre o controverso “Shopping de Charme”.
No A Perereca da Vizinha, algo que foi bastante destacado e merece atenção é a relação entre o arquiteto responsável pelo projeto, o secretário estadual de Cultura Paulo Chaves Fernandes, e o diretor do Departamento de Análise de Projetos e Fiscalização da Seurb, Pablo Chermont Fernandes, que seria filho do secretário.
A suspeita, segundo a jornalista, é de que poderia ter havido alguma espécie de facilitação no órgão municipal, pela natureza da relação entre os dois. Em perguntas encaminhadas ao secretário de Cultura, a jornalista faz os seguintes questionamentos: “O senhor Pablo Chermont Fernandes é filho do secretário estadual de Cultura Paulo Roberto Chaves Fernandes? Quantos e quais os projetos de autoria do senhor Paulo Roberto Chaves Fernandes, e/ou de empresa a ele ligada, foram aprovados pelo Departamento de Análise de Projetos e Fiscalização da Seurb, desde a nomeação do senhor Pablo Chermont Fernandes para a direção desse departamento? Qual o peso da aprovação, por esse departamento, na aprovação final de tais projetos? O fato de o departamento comandado pelo senhor Pablo Chermont Fernandes aprovar projetos de autoria do senhor Paulo Roberto Chaves Fernandes (em se tratando de filho e pai, respectivamente) não configura tráfico de influência?”

Investigações
Por causa de todo esse quadro, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Ministério Público Estadual (MPE) e o Ministério Público Federal (MPF) já foram acionados para investigar os processos que envolvem a construção do “shopping com design de diamante”. A presidente do CIVVIVA, Dulce Rosa, informa que a Comissão de Meio Ambiente da OAB está aguardando as informações da Prefeitura, para fazer as análises e verificar o que está dentro da lei.
De acordo com informações do A Perereca da Vizinha, o MPE informou que o documento encaminhado ao órgão, pelo CIVVIVA, já está nas mãos do promotor Benedito Wilson, das promotorias de Meio Ambiente, Patrimônio Cultural e Urbanismo. Ainda segundo o blog, o MPF também informou que vai abrir um procedimento para investigar a construção desse shopping, justamente por estar localizado em uma área cujo entorno é completamente tombado pelo Iphan.
Por ora, a população está aguardando as respostas da Prefeitura, que devem esclarecer muitos aspectos que rondam a construção do Bechara Mattar Diamond. O “Shopping de Charme”, pelo que se vê, ainda vai dar muito que falar.

Texto: Sérgio Ferreira
Revisão: Arthur Medeiros
Edição: Juliana Theodoro

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